segunda-feira, 24 de setembro de 2007

A peleja entre o cangaceiro o cavaleiro e o roedor...

A primeira vez que vi Lampião & Lancelote (Fernando Vilela, Cosac & Naify) foi na Feira do Livro de Brasília de 2006. Fiquei louco com as gravuras, o tamanho do livro... mas o preço me assustou e, embora ele gritasse por mim no stand da distribuidora, não lhe dei ouvidos. Confesso que dei uma olhadinha de leve no texto mas tive preguiça e fiquei com aquela idéia de que era somente um livro bonito. Devo desculpas ao Fernando Vilela.
Um ano depois, no mesmo stand, no último dia da Feira do Livro, resolvi atender aos apelos do livro e trouxe-o para casa. Deixei-o na cabeceira da cama por uns dias e hoje pela manhã armei uma rede cearense, presente de meu querido pai, e deitei os olhos com a devida atenção que os lendários personagens mereciam. Não cedi à tentação do balanço da rede. Rasguei o plástico e deitei o livro sobre meus braços. Deitamos todos: a rede, no quarto; eu nela; o livro em mim; meus olhos no livro. Devo desculpas ao Fernando Vilela. O livro é um brinde para o olhar. Os detalhes em prata e cobre saltam das folhas e dão movimento às cenas. Mas o livro não é só imagem e é aí que ele surpreende!!! O texto demonstra pesquisa, cuidado, precisão. Parece que cada palavra foi entalhada no poema com a benção do cordelista Leandro Gomes de Barros.
O livro trata do fictício encontro-duelo entre o cangaceiro Lampião e o cavaleiro inglês Lancelote. Munido de vasta pesquisa iconográfica e literária, o autor desfila estilos. Ao retratar o bravo cavaleiro dos tempos medievais Fernando usa setilhas, ou seja, sete versos de sete sílabas e rima em ABCBDDB. Quando o mote é nordestino ele usa das sextilhas, com rimas em ABCBDB. A prosa também aparece em 10 das quase 50 páginas que contam a aventura. Galopa ao lado de Lancelote em terras inglesas, é envolta no feitiço de Morgana e encontra com Lampião em pleno sertão potiguar. A poesia retoma seu lugar e, a exemplo dos grandes duelos da Literatura de Cordel, difama o adversário, conta vantagens, desemboca em desafio. O que vem daí? Dicas da cultura popular medieval e nordestina. Um duelo sem fim onde o leitor sai ganhando sempre. Ops... quase sempre!!! Para que o trabalho de Fernando Vilela coubesse num livro, a editora apostou num formato ousado. Capa dura, cores especiais e um tamanho fora dos padrões (70cm x 24cm o livro aberto). Este cuidado deixou o livro a um custo acima da média (R$ 49,00). É, também, um objeto frágil. Com todo o cuidado que empreendi para sua leitura, fui surpreendido por um afastamento entre as páginas 16 e 17. O livro não manteve sua integridade numa primeira leitura feita por um adulto. Imagine nas mãos de uma criança!!! É para ser manuseado com extremo cuidado.
Devo desculpas a Fernando Vilela. Quando estivemos com ele em maio na entrega dos Prêmios da FNLIJ eu estava encantado com seu trabalho no livro-imagem A Toalha Vermelha e pequei por ignorância. Achei – sem ter lido – que Lampião e Lancelote seria um trabalho menor. Que nada!!! Lampião e Lancelot é um grande livro. Por suas proporções desafiadoras para um livro infantil. Pelo espetacular trabalho gráfico merecidamente premiado. Pelo texto cuidadoso, repleto de poesia e história. Se você, como eu, já encontrou com este livro e achou que ele seria apenas um livro lindo, entregue-se também aos prazeres escondidos em suas palavras. É nelas que Fernando Vilela faz seus melhores desenhos. É a literatura de cordel tratada com esmero. Um susto nos sentidos! Uma beleza que esconde sua melhor qualidade: ser uma ótima história para crianças de todas as idades!!!
Deixo aqui um petisco para abrir o apetite de vocês:

De um velho mandacaru
Tirou do miolo um cordel
Invocou o Santo Nás
Que movimentou o céu
Abriu um oco no centro
E pôs todo mundo dentro
Destas folhas de papel

Por fim, caso você tenha uma queda por temas medievais, pelejas e cordéis, procure nos sebos ou nas feiras populares o livreto A Batalha de Oliveiros com Ferrabraz. São 101 décimas do paraibano Leandro Gomes de Barros, considerado o poeta maior da Literatura de Cordel, narrando um embate entre franceses e turcos. Uma leitura prazerosa e sem desculpas.

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